Fábrica Ypu: de galpão a um complexo industrial
Funcionários da fábrica Ypu. Acervo pessoal
No início do século 20, quando as indústrias têxteis de empresários alemães se estabeleceram em Nova Friburgo, a atividade econômica do município advinha notadamente da agricultura e subsidiariamente do turismo. Maximilian Falck juntamente com Willian Peacock Denis dão início a fabricação de passamanarias em um galpão no sítio Ypu de propriedade do primeiro, às margens do rio Santo Antônio. Sob a razão social de Maximilian Falck & Cia, em meados de 1912 começa-se uma modesta produção com alguns poucos funcionários como Paul Max Kunzel, Johannes Friedrich Schmidt, José Gonçalves, Amélia de Carvalho, Adolfo Iaggi, Ezídio Ferreira da Silva Assis, Caetano Alves da Cruz, Alfredo Barro Beauclair, Júlio Piram e Alice Rodrigues dos Santos. Foram importados da Alemanha quatorze teares e a matéria-prima vinha do exterior.
Além da dificuldade na importação de matéria-prima havia o problema da falta de mão-de-obra especializada na pacata vila serrana para operar o maquinário importado. Em razão disso, gradativamente técnicos alemães vão sendo contratados para trabalhar na indústria. Maximilian Falck chegou até mesmo a cooptar alemães da Marinha Mercante detidos no Sanatório Naval como prisioneiros, em razão da Primeira Guerra Mundial. Esta guerra possivelmente beneficiou Falck, pois houve dificuldade na importação de produtos da Europa, ocupando a sua empresa mais espaço no mercado nacional. Transcorridos cinco anos desde a sua fundação, a fábrica Ypu, como ficou conhecida, já tinha 155 operários treinados por técnicos vindos da Alemanha. Nesta ocasião, retirou-se da sociedade Willian Peacock Denis e dois anos depois são admitidos como sócios Julius Arp, proprietário da fábrica Rendas Arp e João Haasis. Este último falece no ano seguinte à sua admissão.
A fábrica amplia sua linha produzindo sianinha, guipir, bordado inglês, bico de renda, cordão etc. Consequentemente expande suas instalações com setores de tecelagem, trançadeira, tinturaria e engomação. Como os suspensórios estavam na moda entre os homens, e a empresa era grande produtora, chegou a ser conhecida como “fábrica de suspensórios”. Em 1924, passa a ser uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, tendo sido admitidos os sócios Hermann Ostman como gerente geral, Antônio Edmundo Pockstaller como gerente comercial e Emil Cleff, responsável pela produção. A introdução destes novos sócios foi fundamental pois a fábrica Ypu quase falira nos anos anteriores.
Emil Cleff racionalizou a produção da fábrica e melhorou a qualidade dos produtos. Já Pockstaller incrementou as vendas introduzindo a marca Ypu em todo o território nacional e reestruturou o escritório da empresa no Rio de Janeiro. Com o desenvolvimento da fábrica aumentou-se o capital sendo admitidos novos sócios como Max Falck Junior, Max Georges Cleff, filho de Emil Cleff, entre outros membros da família. Com esta alteração retiram-se da sociedade Julius Arp e Hermann Ostman. Max Georges Cleff passa a ocupar o cargo de diretor possivelmente por influência de seu pai, responsável pelo setor de produção da fábrica.
Maximilian Falck faleceu em 1944, deixando três herdeiros, Maximilian Falck Junior, Edith e Cecília Falck. Cada um herdou 30% da empresa e os 10% restantes ficaram divididos entre os Cleff e um outro sócio. Na realidade, quem administrava a fábrica eram os Cleff, já que os Falck seguiam o conselho do patriarca Maximilian Falck, de deixar a administração da empresa com os primeiros. Maximilian Falck Junior falece em um acidente de avião e Edmundo Pockstaller, marido de Edith, não interfere na administração de Emil e Max Cleff e Oscar Schultz, genro do primeiro. Depreende-se que esta tríade foi responsável pelo grande crescimento da Ypu, tornando-a uma portentosa indústria.
Charles Émile Cleff, conhecido no Brasil como Emil Cleff, nasceu em 07 de abril de 1869, em Wuppertal-Barmen, na Alemanha. Filho de tradicional família de industriais no ramo têxtil veio ao Brasil pela primeira vez em 1893, para reorganizar uma fábrica de tecidos na Bahia. Retorna à Europa após esta consultoria. Na cidade de Flinez-lez-Montagne, na França, fundou a sua própria fábrica no ramo de passamanaria sob a razão social de Cleff & Cie. Foi nesta atividade que Cleff mostrou o seu gênio criador e artístico na fabricação de complexos e belíssimos galões e fitas decorativas, com os mais variados desenhos e harmonia de cores. Paulatinamente a Cleff & Cie foi dominando a maior parte do mercado europeu, sendo Cleff denominado à época de “o rei dos galões”. Como apresentava sempre novos e originais desenhos não acompanhava a moda, mas sim, criava tendências. No entanto, a sua indústria foi bombardeada na Primeira Guerra Mundial com perda total de seu patrimônio. Como prestara consultoria no Brasil, vislumbrou neste país a oportunidade para reerguer-se financeiramente.
Em 1921 viaja para o Brasil já tendo estabelecido contato com Maximilian Falck. De acordo com a neta de Cleff, Brigitte Madeleine Schultz, o industrial Julius Arp teria aconselhado Falck a contratar Emil Cleff, alertando que se ele abrisse a sua própria fábrica seria a falência da Ypu. Tudo indica que foi a partir de sua interveniência na linha de produção que a fábrica Ypu cresceu sobremaneira. Emil Cleff, como outros industriais em Nova Friburgo, residia numa casa logo na entrada da fábrica com a sua família. No ano de 1938, a empresa transforma-se em sociedade anônima e a razão social passa a ser Fábrica Ypu S.A. Cumpre destacar que o seu crescimento ocorre no momento em que o Brasil tinha um parque industrial ainda muito incipiente. Somente a partir da Segunda Guerra Mundial(1939-1945) o país iniciará a sua fase industrial.
Um bairro surge ao redor da fábrica, o bairro Ypu, e tudo gira em torno dela que passa a ser não apenas um local de trabalho, mas igualmente um espaço de sociabilidade. Na década de 1940 foram construídas algumas residências para os operários ao redor da fábrica formando uma Vila Operária, uma prática comum entre as indústrias locais. Lembrando que não havia o serviço de transporte público de ônibus entre os bairros até meados do século vinte. Os operários se deslocavam por meio de bicicletas ou a pé para o trabalho. Em 1944 foi inaugurada a Recreativa Ypu para atividades sociais e esportivas dos funcionários. Era um tempo em que a fábrica era a extensão dos lares dos operários, em que tinham ciúmes de suas máquinas e o apito da fábrica regia as atividades do bairro. Cada indústria tinha o seu time de futebol e de atletas. A formação destas equipes deu origem aos jogos olímpicos, conhecido como Jogos dos Industriários, que reunia todas as indústrias sendo um dos eventos mais importantes da cidade. Além da prática esportiva, os funcionários da Ypu tinham benefícios como assistência médica e dentária. Havia também em suas instalações um salão social com palco para teatro e projeções cinematográficas. Um restaurante com capacidade para oferecer mais de mil refeições diárias foi construído na década de setenta, em que já contava com aproximadamente 1.200 funcionários.
A fábrica Ypu foi crescendo e se adaptando ao mercado. Conhecida como a “fábrica de suspensórios”, como esse acessório masculino caiu em desuso passaram a fabricar cinto de couro masculino para substituir este produto. Instalaram um curtume para curtir o próprio couro e passaram a produzir uma linha de cintos com o nome de “Friburgo”, e a seguir carteiras de bolso. No balanço do ano de 1958, a fábrica contava com 1.026 operários e cerca de 90% da matéria-prima, antes importada era nacional. Na década de setenta a empresa investe em equipamentos novos de bordados com máquinas importadas da Alemanha. A empresa foi ampliando cada vez mais as suas instalações sendo autossuficiente em tudo, produzindo inclusive a embalagem de seus produtos no setor de cartonagem. Dispunha de oficina mecânica, carpintaria e chegou ao ponto de fabricar algumas máquinas da produção que antes eram importadas. Seu parque industrial tinha 44.000 mil metros quadrados de construção. Suas instalações tomam proporções tão imensas que atraía a atenção de quem chegava a Nova Friburgo.
A industrialização brasileira é tardia. Como dito antes somente a partir de 1945, a indústria nacional irá superar a agropecuária como a principal atividade da economia. O meio urbano até a década de 1920, concentrava apenas 20% da população brasileira. Os setores agrários acusavam a indústria de desviar braços do campo para as suas atividades. Em Nova Friburgo ocorreu o esvaziamento do distrito agrícola de Amparo para o centro da cidade, pois uma nova geração queria trabalhar nas indústrias. O debate era dividido entre duas correntes políticas, uma que defendia a vocação agrícola de Nova Friburgo e a outra que se posicionava a favor da industrialização. Galiano Emílio das Neves Júnior, conhecido como coronel Chonchon, defendia a primeira vocação e Galdino do Valle Filho, a segunda. A Consolidação das Leis Trabalhistas organizada em 1943, e a criação da Justiça do Trabalho para dirimir conflitos, revolucionou as relações entre patrões e empregados.
Emil Cleff Faleceu em 21 de dezembro de 1968, com 99 anos de idade e seu filho Max Cleff e o genro Oscar Schultz deram continuidade à gestão na fábrica. A avenida em frente à fábrica Ypu leva o seu nome e no seu pátio interno foi inaugurado um busto em sua homenagem. Harold Anton Pockstaller, neto de Maximilian Falck, começou a disputar espaço na administração da fábrica Ypu, já que a presença do decano Emil Cleff sempre fora um obstáculo às suas pretensões. Harold Pockstaller demite os antigos executivos e uma crise financeira se instala na empresa. Entre os funcionários da fábrica corria a seguinte frase, “O avô fundou, o neto afundou”. Transcorridos aproximadamente 15 anos de sua gestão, a fábrica entrou em processo de falência. Mas a crise financeira ocorreu igualmente nas outras indústrias de Nova Friburgo e possivelmente está relacionada com o contexto econômico do país naquele período.
Willian Khoury, do grupo Sayonara, assumiu o controle acionário da fábrica. Mesmo estando a empresa em crise e com muitas dívidas, Khoury investiu na renovação do maquinário. Mas o gigante agonizava e os tempos eram outros. Os produtos químicos que por décadas as indústrias despejavam nos rios da cidade passaram a ser alvo de fiscalização por parte de órgãos de proteção ambiental. A Companhia Estadual de Controle Ambiental exigiu da empresa um projeto no setor de tinturaria para evitar a poluição dos rios e igualmente a construção de uma estação de tratamento. Nessa altura era impossível para a fábrica se adequar às leis ambientais e notadamente as trabalhistas como pagamento de décimo terceiro salário, carteira assinada, salubridade e benefícios assistenciais. A Ypu empregava menores sem assinar carteira, atrasava os salários, não recolhia o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e também não contribuía com o INSS. O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem de Nova Friburgo não davam trégua. Como a fábrica não tinha como se manter com tantas dívidas trabalhistas e fiscais foi decretada a sua falência.
Quem melhor explica a época de ouro da Fábrica Ypu é o antigo operário Zei Marques da Silva que escreveu uma carta ao jornal A Voz da Serra, publicada em 15 de março de 2006: “Admitido na Fábrica Ypu em 10 de maio de 1950, na função de aprendiz de mecânico, iniciei minha trajetória profissional. (…) Por que meu segundo lar? Ali eu vivia a maior parte do dia, se isso não bastasse, também ali trabalhavam meu pai, meus irmãos, sobrinhos, cunhada, primos, vizinhos, amigos dos meus pais e meus amigos. Todos eram parentes ou amigos, realmente um segundo lar para todos nós. Permaneci na Fábrica Ypu 44 anos(…) se não fossem suficientes os 44 anos dentro da fábrica em horário de trabalho, ao sair corria para a Recreativa Ypu, que era ligada à fábrica, para praticar vôlei, basquete e futebol Society. Não só nos dias de semana, mas também aos domingos. Em época de festa junina, todas as noites ensaiávamos quadrilha. No fim de semana, eram cinema e bailes na fábrica. (…) Pela grandeza que foi a Fábrica Ypu, pelo muito que colaborou com os seus empregados, porque muitos como eu, através da fábrica, conseguiram construir uma casa e formar uma família. Por tudo que a fábrica fez pela cidade de Nova Friburgo, gerando empregos e elevando o nome da cidade, eu gostaria de ver contadas não somente estas simples linhas, mas uma verdadeira história contada por um historiador sobre a Fábrica Ypu. Realmente ali era o meu segundo lar, ou melhor, nossos segundos lares, porque tenho a certeza de que muitos que ali trabalhavam pensam como eu. Quem não se lembra dos famosos bailes orquestrados que a fábrica nos proporcionava nos fins de semana, das feijoadas de 1º de maio, das distribuições de brinquedos nas festas natalinas, os jantares de fim de ano quando eram homenageados todos os funcionários que completavam 25 e 50 anos de fábrica e as domingueiras depois de um farto almoço servido na Recreativa? (…) Saudades ainda tenho daqueles tempos de felicidade que vivíamos juntos. Hoje podemos dizer, com toda certeza, que nós não estávamos em um local de trabalho, mas, sim, em nosso segundo lar, ou melhor, no prolongamento do nosso lar.” Curiosamente, mesmo penhorada, alguns funcionários permaneceram na fábrica produzindo tecidos bordados. Já não necessitam mais da orientação dos técnicos alemães para operarem as velhas máquinas que são quase como membros de seus corpos”.
Fontes: Entrevista com Brigitte Madeleine Schultz e o livro “Terra Friburguense” do memorialista Décio Monteiro Soares.
Fonte: Janaína Botelho – Serra News