Fábrica de Filó: A escola da moda íntima em Nova Friburgo

Fábrica de Filó: A escola da moda íntima em Nova Friburgo

Por Janaína Botelho maio, 2022

Técnicos vinham da Alemanha operar o complexo maquinário.

O Brasil teve o seu processo de industrialização tardio em relação ao continente europeu. Na realidade, o país apenas terá a sua economia voltada para a industrialização na década de 40, do século vinte, no governo de Getúlio Vargas. Pode-se afirmar que o município de Nova Friburgo foi pioneiro migrando a sua atividade econômica, já na década de 1910, da agricultura para o segmento industrial têxtil. O arquiteto da industrialização em Nova Friburgo foi Julius Arp, que dá início em 1911, ao período industrial no município com a instalação da fábrica Rendas Arp. No ano seguinte, Maximilian Falck implanta em seu sítio um galpão com oficinas sob a razão social de Maximilian Falck & Cia., que viria a ser a fábrica Ypu. Já a fábrica de Filó foi a terceira a se instalar em Nova Friburgo, em janeiro de 1925, sendo seus fundadores Carl Siems e o seu filho Carl Ernst Otto Siems.

Carl Ernst Otto Siems, em pé, o segundo da direita para a esquerda. Acervo Oskar Bertram
Carl Ernst Otto Siems, em pé, o segundo da direita para a esquerda. Acervo Oskar Bertram

No mesmo ano de fundação chegam a Nova Friburgo as primeiras máquinas de filó bem como técnicos vindos da Alemanha para operar o complicado maquinário. A fabricação de filó e renda constitui um dos ramos mais difíceis e especializados da indústria têxtil, tendo em vista que a produção destes artigos exige uma extraordinária exatidão mecânica das máquinas que são extremamente complexas. Inicialmente a fábrica começou a funcionar em um galpão de 2.500m². Transcorridas duas décadas ocupou uma área de 30.399,90m². Na ocasião em que a fábrica de Filó se instalou na Vila Amélia, o local era apenas um brejo pantanoso cujas encostas ficariam cobertas por florestas de eucaliptos, pinheiros e madeiras de lei, que serviam à fábrica. No distrito de Conselheiro Paulino havia igualmente uma grande área destinada ao plantio de eucaliptos para abastecer os caldeirões de tingimentos de tecidos e alvejamentos.

De um galpão de 2.500m² a Filó passou a ocupar uma área de 30.399,90m². Acervo Oskar Bertram
De um galpão de 2.500m² a Filó passou a ocupar uma área de 30.399,90m². Acervo Oskar Bertram

A fábrica era dividida em várias seções e produzia diversos itens como filó liso, filó de jacquard em ponto de crochê, filó de seda, filó de algodão, rendas Valencianas e Nottingham, laizes de renda, gobelinsmadrasmarquisetes, colcha de cama, toalha de mesa, tecidos de estofamento e tapeçaria. Um tear gigantesco fabricava a tecelagem de filó em ponto de crochê, cortinas, estores, colchas e toalhas rendadas. Havia ainda a seção de alvejaria e tinturaria e um laboratório para desenvolvimento de tintas e aplicação de produtos químicos. Em 1933, a direção da Filó passa a oferecer serviço médico, dentário e uma creche aos operários.

Um dos produtos fabricados pela Filó. Acervo Oskar Bertram
Um dos produtos fabricados pela Filó. Acervo Oskar Bertram

No ano de 1941 foi edificado o Parque de Recreio Olifas cujo nome é a inversão de S.A. Filó, possuindo em suas instalações duas piscinas, uma sede social, campos de esporte e sauna. Foi construído também o Esporte Clube Fábrica de Filó para treino de seu time de futebol. Em 1950, por ocasião do 25° aniversário da fábrica de Filó foi inaugurado um clube social dispondo de um grande auditório com palco, salão para refeições e festas, sala de leitura, mesas de bilhar e ping pong, um posto de abastecimento de gêneros alimentícios do SESI, cozinha, copa e salas de aula para ensino primário e noturno. Havia igualmente sessões de cinema e cursos de corte e costura.

Inauguração do Parque de Recreio Olifas. Acervo Oskar Bertram
Inauguração do Parque de Recreio Olifas. Acervo Oskar Bertram

As indústrias Rendas Arp, Ypu e Filó construíram vilas operárias. Entre estas três a vila operária da Filó foi a que mais se expandiu pelas proximidades da empresa, com um “correr de casas” geminadas em variados estilos pelo bairro da Lagoinha. Cidade operária, cidade corporativa ou vila operária são localidades onde as habitações são de propriedade de uma empresa que fornece residências aos seus trabalhadores para permitir que morem em um ambiente salubre e próximo ao local de trabalho. Foi um conceito que surgiu na década de 1890, entre as grandes indústrias. Um dos primeiros exemplos de vila operária foi nos Estados Unidos empreendida pela empresa Pullman, fabricante de vagões de trem, nos subúrbios de Chicago. Outro exemplo de cidade operária é a multinacional francesa fabricante de pneus Michelin. Instalou no ano de 1889, em Clermont-Ferrand o seu parque industrial. Além de moradia para acomodar os seus funcionários oferecia escola, creche e um parque esportivo.

Vila operária da fábrica de Filó. Acervo Oskar Bertram
Vila operária da fábrica de Filó. Acervo Oskar Bertram

Já no Brasil, a primeira vila operária foi do empresário Luís Tarquínio, fundador da Companhia Empório Industrial do Norte, na década de 1890, na cidade de Salvador. A vila operária da Rendas Arp é a única que foi totalmente extinta. No local onde foi a Vila Arp encontra-se atualmente o condomínio Vila das Flores, bem como o estacionamento do supermercado Bramil. Um hábito curioso entre os empresários e executivos alemães era de residirem dentro da fábrica. Alguns executivos da Filó residiam em casas no interior da fábrica e o próprio Carl Ernst Otto Siems  morava dentro de suas instalações. Quando do falecimento de Otto Siems, a seu pedido, suas cinzas foram espalhadas no entorno da fábrica. O executivo Emil Cleff residia igualmente dentro da fábrica Ypu  e Julius Arp morava em frente a fábrica, nas suas imediações.  

Carl Ernst Otto Siems morava dentro das instalações da fábrica. Acervo Oskar Bertram
Carl Ernst Otto Siems morava dentro das instalações da fábrica. Acervo Oskar Bertram

No ano de 1968, a empresa alemã Triumph passa a ter o controle acionário da fábrica de Filó. O grupo Triumph Internacional foi criado em 1886, na Alemanha e ao longo dos anos se expandiu para diversos países. Incorporada ao grupo Triumph, a denominação Filó S.A. foi mantida por sua tradição no mercado. Houve uma mudança significativa na sua linha de produtos que passou a produzir lycralingerie, peça íntima masculina, roupa esportiva e moda praia. Manteve, porém, alguns produtos tradicionais de sua fabricação  como laize, rendas, tule de nylon e cortinas. Quando a empresa completou 63 anos, no seu boletim informativo divulgou que possuía aproximadamente 2.200 funcionários na fábrica e 500 integrados nas filiais de vendas.

Filhos de técnicos alemães em vida social. Acervo Oskar Bertram
Filhos de técnicos alemães em vida social. Acervo Oskar Bertram

Em entrevista com Oskar Albim Bertram, ex-funcionário da Filó, ele relata que ao fim da Segunda Guerra Mundial, executivos e técnicos alemães desta fábrica foram presos no Sanatório Naval e a seguir conduzidos para prestar depoimento, em Niterói, por suspeita de participação no Partido Nazista em Nova Friburgo. Igualmente nos revela que a fábrica foi invadida por uma turba enfurecida e peças de seu mobiliário foram jogadas para o lado de fora, tendo que ser mantida uma força policial para resguardar o patrimônio da empresa. Tempos difíceis para os alemães em Nova Friburgo. Oskar Bertram tomava sopapos e pescoções na rua por ser descendente de alemães. O clima era de muita tensão em razão do município ter tido uma sede do Partido Nazista, na Rua Augusto Spinelli.

Oskar Albim Bertram, ex-funcionário da Filó. Acervo pessoal
Oskar Albim Bertram, ex-funcionário da Filó. Acervo pessoal

A fábrica de Filó entra em crise financeira por má gestão de seus executivos acarretando a demissão de muitos funcionários. A empresa foi vendida ao grupo Rosset proprietária das marcas Valisere, Valfrance, Cia Marítima, entre outras. O grupo Rosset possui 11 fábricas em São Paulo e adquiriu 100% da operação brasileira da multinacional de moda íntima Triumph. Inúmeras funcionárias demitidas fazendo uso de seu treinamento e expertise começaram a fabricar e a comercializar lingerie, a maior parte atuando, inicialmente, na clandestinidade. Estas confecções denominadas de “fundo de quintal” foram tantas e tão bem sucedidas que legalizaram suas atividades e se tornaram prósperas empresas de lingerie, exportando inclusive. Por isso, a Filó-Triumph foi uma escola colocando Nova Friburgo como capital da moda íntima no Brasil e se consolidando como polo deste setor.


Janaína Botelho – Serra News

11Comentários


  1. Ozany de Fátima Heringer

    Belíssima reportagem. Histórias que fazem a diferença na cultura friburguense. Fiz parte de duas indústrias, Filo e ypu. Marcaram minha vida. Parabéns pelo trabalho

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    1. ASCIGTUR NOVA FRIBURGO

      Ficamos Muito felizes em Poder relembrar aos Friburguense um pouco de nosso historia,esta Matéria é da historiadora Janaina Botelho repostado pela Ascigtur Através de parceria com o Portal Serra News

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  2. Cleidilelia

    Trabalhei lá e aprendi muito sobre costura e comportamento social e profissional

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    1. ASCIGTUR NOVA FRIBURGO

      Muito Bom relembrar, a Principio esta Matéria é da historiadora Janaina Botelho repostado pela Ascigtur Através de parceria com o Portal Serra News

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  3. Maria Célia da Silva Herdy

    A fábrica de filó,foi meu primeiro imprego,eu tinha 13 anos de idade tempos bons aqueles, lá aprendi muito;trabalhei naFiló até o ano de1970,

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    1. ASCIGTUR NOVA FRIBURGO

      Esta Matéria é da historiadora Janaina Botelho repostado pela Ascigtur Através de parceria com o Portal Serra News

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  4. Geraldo Bechara

    Boa tarde!Como Friburguense adorei a matéria,parabéns,abraços

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    1. ASCIGTUR NOVA FRIBURGO

      Que bom que gostou esta Matéria é da historiadora Janaina Botelho repostado pela Ascigtur Através de parceria com o Portal Serra News

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  5. Jaibe Pitzer

    fantástica e emocionante história, é incrível a influência alemã na história de Friburgo, e mais incrível e não ser tão divulgado.
    obrigado Janaína Botelho por resgatar e preservar a história de Friburgo com tanto carinho e dedicação.

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  6. SIOMAR M.OLIVEIRA

    QUE SAUDADE!!

    FREQUENTEI MUITO O CLUBE DO “OLIFAS”

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  7. Carlos Pereira

    Muito bacana a reportagem. Apesar de ser carioca de nascimento, o meu primeiro emprego foi na Fábrica Ypú e anos depois trabalhei na Fábrica de Rendas Arp. Bons tempos!

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