Por Janaína Botelho
Libaneses que imigraram para Nova Friburgo.
Durante o período de 1299 a 1922, o Oriente Médio foi dominado pelo Império Turco-Otomano. Porém, com o fim da Primeira Guerra Mundial, este império se desfez dividindo-se em 40 países. Libaneses e sírios sob a dominação Turco-Otomana vislumbraram na emigração uma alternativa para sair do jugo dos opressores. Professando a fé islâmica, os turcos perseguiam notadamente os cristãos e em razão disso prevaleceu a emigração de maronitas, melquitas, ortodoxos do rito antioquino, siríacos e católicos romanos. A maioria dos libaneses era maronita, enquanto os sírios costumavam ser ortodoxos. O destino principal foi a América em países como os Estados Unidos, Argentina e o Brasil. Os primeiros imigrantes libaneses e sírios chegaram ao Brasil no último quartel do século 19, constituindo os primeiros a maioria. Como seus passaportes eram expedidos pelo governo Turco-Otomano a população os chamava de turcos, o que os desagradava demasiadamente.
Os libaneses e sírios eram vistos como morigerados, sem faustos e exibições, zelosos de suas crenças, tradições e orgulhosos de seu passado no berço da civilização. Significativa foi a sua presença na região serrana fluminense. No município de Nova Friburgo foi criado o Centro Líbano-Friburguense em 19 de julho de 1919, no intuito de irmanar todos os conterrâneos, prestar auxílio mútuo e promover a sociabilidade entre os seus integrantes. O centro foi substituído na década de 1930 pelo Clube Sírio e Libanês, localizado no fim da Praça Getúlio Vargas e que objetivava, como o seu antecessor promover a sociabilidade bem como atividades esportivas. Halim Abud foi um dos fundadores do Friburgo Futebol Clube criado em 1914. Atualmente a comunidade libanesa de Nova Friburgo se organiza em torno Associação Cultural Líbano-Friburguense.
Conforme o levantamento realizado por Leyla Lopes são estas as famílias que se estabeleceram em Nova Friburgo. Abib, Abdo, Abicalil, Abdala, Abinasser, Abirachid, Adip, Abi-Râmia, Aboumurad, Abbud, Abrahão, Alcoury, Alexandre(Skandar), Ailmel, Amim, Assad, Assaf, Assef, Assum, Ayd, Auad, Aucar, Ayub, Aziz, Badin, Barucke, Boutros, Baduhy, Bedran, Bechara, Boechen, Boulos, Buaiz, Beyruth, Calil, Cannan, Carim, Chaloub, Cheade, Chible, Chicre, Chini, Chequer, Caled, Coury, Cury, Daher, Deccache, Dagfal, David, Derzi, Dib, Elias, Estefan, El-Jaick, Fadel, Farah, Feres, Ferreira (o nome original é Haddad, aquele que trabalha com o ferro), Francis, Gandur, Gastim, Gazé, Gazel, Gervásio, El-Haber, Harb, Gibran, Helayel, Haddad, Hissi, Ibrahim, Iunes, Jabour, Jamal, Jana, Japor, Jasbicke, Jorge, Kazan, Keidh, Jadah, Khaled, Kharan, Koury, Lopes (ou Lêpus), Mansur, Mattar, Miled, Miguel, Mussalém, Mussi, Marum, Nacif, Nader, Neder, Name, Namen, Nasser, Noé, Osório, Pedro(o mesmo que Boutros), Quinan, Rafidi, Râmia, Saad, Saade, Sada, Sader, Saleme, Salles, Salomão, Salim, Sarruf, Sayech, Suaid, Simão, Estefan, Santos(ou Acoubb), Tanis, Tanusse, Theme, Tupogi, Tanure, Zarife e Ziede.
Mascatear foi a profissão exercida pela maior parte de sírios e libaneses e depois se sedentarizaram, alguns abrindo comércio de tecidos e armarinho. O mascate e o turco da lojinha povoaram a literatura nacional durante todo o século vinte. Dona Martinha Francisco Lamblet Schuenck nascida no distrito de Amparo, em Nova Friburgo, em 11 de novembro de 1879, em entrevista ao jornal Correio Friburguense(01/08/1987) recordando a sua juventude declarou que na localidade em que residia, havia somente uma casa de negócios de uma turca. No centro de Nova Friburgo quase metade do comércio era de libaneses. De início, não havia especialização dos artigos e vendia-se de tudo nas lojas, como foi o caso da Casa Libanesa, o comércio mais antigo de Nova Friburgo em atividade, depois da Casa El-Jaick. Uma viagem no túnel do tempo já que mantém as mesmas particularidades da loja como há cem anos atrás. Outro patrimônio da Casa Libanesa é a Dona Nair Abicalil, que ainda costura vestidinhos de festa junina com restos de tecidos.
Entrevistei Eliane Abicalil de Moura da Casa Libanesa, descendente de uma destas famílias libanesas que imigraram para o Brasil. O patriarca Naum Bechara Abicalil chegou ao Brasil com a esposa Marie no ano de 1913, se estabelecendo inicialmente no município de Duas Barras. Um dos filhos do casal Youssef Jorge Abicalil se casa em Nova Friburgo com Haiffa, cuja família havia residido anteriormente em Santa Maria Madalena. Outra característica dos sírios e libaneses, ainda hoje presente no Oriente Médio, são os casamentos interfamiliares, notadamente entre primos, previamente arranjado pela família. Youssef e Haiffa fundaram a Casa Libanesa em 1920, sendo a primeira loja na Av. Alberto Braune, mudando três vezes de endereço. Haiffa costurava os vestidos que vendia na loja e ainda era instrutora de cursos de corte e costura. A filha do casal Nair Abicalil de Moura, juntamente com o marido Genserico Moura deram continuidade ao negócio dos pais. A família preserva muitos utensílios antigos da loja como a máquina de encapar botão, a metragem de madeira, o pendurador de roupas, o balcão e o modo de disposição das mercadorias.
O autor da famosa vinheta “Brasil-Sil-Sil!” foi criada pelo libanês Edmo Zarife, nascido em Nova Friburgo em 15 de dezembro de 1940. A vinheta surgiu na época das eliminatórias da Copa do Mundo de 1970. Na ocasião, foi solicitado pela Rádio Globo a Edmo Zarife elaborar uma saudação para celebrar os gols da seleção brasileira. Zarife e um assistente técnico da rádio, o Formiga, gravaram várias frases e bordões. A direção da rádio ao ouvir “Brasil-Sil-Sil!”, imediatamente selecionou este bordão. Esta vinheta interpretada por Zarife marca até hoje as transmissões esportivas internacionais do Sistema Globo de Rádio e Televisão.
Muitos libaneses se dirigiram para Cantagalo e outros municípios da região serrana em fins do século 19, que ainda exercia forte atração aos imigrantes, apesar de apresentar um declínio em sua economia cafeeira. Imigraram para Cantagalo as famílias Nacif, Abrahão, Mansur, Richa, Daher, Fadel, Abi Ramia, Habib, Zarif, Elias, Nacif, Miguel, Nara, Adib e Yunes. Uma atividade inusitada foi a do libanês José Bechara Raphael, que imigrou para Santa Maria Madalena por volta de 1890. De mascate passou a ser proprietário de uma sala de cinema, de uma mafunatura de calçados e se tornou cervejeiro produzindo a cerveja Edmond. Alguém imagina libaneses fabricando cerveja? O Engenho Central Laranjeiras, em Itaocara, atraiu igualmente algumas famílias de negociantes a exemplo dos Elias, Sarruf, Nacif e Nagib.
Em Cantagalo visitei a residência de Ruth Farah Nacif Lutterbach que reuniu uma parte dos parentes para falar a respeito da imigração de sua família naquele município. Quando chegamos em uma residência de libaneses a primeira impressão é o acolhimento através da comida. É ofensa não comer, e muito. Mesmo depois de satisfeitos vem sempre aquela famosa frase, “come mais, você comeu pouco” e enquanto isto enchem novamente o nosso prato. A mesa é farta com quibe, babaganouche, pão sírio, merche e kanafeh. Nas paredes, os retratos da família e artefatos orientais espalhados pela casa, lembrança eterna de sua origem. Em Cantagalo, o historiador Clélio Erthal nos informa que por herança atávica não se dedicaram a agricultura, abrindo estabelecimentos comerciais depois de laboriosa adaptação como mascates.
Depois de vencidas as dificuldades da primeira geração buscaram para os seus filhos a ascensão socioeconômica através da educação. A maioria dos filhos destes pioneiros escolheu a medicina e secundariamente a carreira jurídica. Em Nova Friburgo muitos médicos libaneses participaram da fundação da Santa Casa de Misericórdia. A vinda de libaneses e sírios para o Brasil entrou em declínio a partir da década de 1940, em razão do governo brasileiro ter imposto medidas restritivas a esta imigração. Mas a sua presença não causou estranhamento ao brasileiro. O colonizador português já nos havia introduzido séculos antes a cultura que absorvera durante a ocupação árabe na Península Ibérica. Em sua bagagem o português trouxe toda a tradição que recebeu deste povo como o moinho d’água, a cana-de-açúcar, a doceria, a arquitetura mourisca, os azulejos, a treliça, as fontes, os repuxos e alguns aspectos do comportamento, como esconder as mulheres da família da vista dos estranhos.